quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Remanescente do Banhado do Pontal da Barra deve ser protegido: após três décadas, TRF-4 confirma o fim do loteamento


                                        “deve ser reconhecida a ilegalidade do licenciamento ambiental que recaia sobre área caracterizada como banhado.” (TRF-4)

No início da década de 90, teve inicio um loteamento num remanescente de zona úmida de extrema importância ambiental e social no Balneário do Laranjal, em Pelotas: Banhado do Pontal da Barra. Desde então o movimento ambiental/ecológico e apoiadores lutam pela sua proteção, enfrentando o poder politico, econômico, politicas ambientais omissas e contra a proteção ambiental.

Na década de 90, após denuncias do movimento ambiental/ecológico, o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP/RS) ajuizou uma Ação Civil Publica (ACP) para tentar frear o loteamento, licenciado pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luis Roessler (FEPAM). Em que pese os diversos aportes técnicos (jurídicos e ecológicos) apresentados pelo CEA e pelo GFEEPAA, a referida ACP foi encerrada, em 1999, pelo Poder Judiciário, sem julgamento de mérito, por... falta de provas, favorecendo o loteador e permitindo que a degradação ambiental de tal zona úmida avançasse, ferindo direito fundamentais.

Abaixo, destaque de trechos da decisão referida.




Na época, estava para ser aprovado pela Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (AL/RS), como o foi, após anos de amplos debates, o Código Estadual de Meio Ambiente (CEMA), o qual definiria os banhados do RS como Área de Preservação Permanente (APP), reforçando a necessidade de proteção, como o Pontal da Barra, assim como defendia o movimento ambiental/ecológico e, neste caso, o MP/RS.

Casa em construção no Banhado do Pontal da Barra registrada no curso da ACP julgada improcedente pelo Judiciario estadual. Foto: Enrique Salazar/GEEPAA.

Apesar dessa decisão do Judiciário estadual contra a proteção do Banhado do Pontal da Barra, a luta pela sua preservação continuou com inumeras ações e camapnhas, como a Lagoa Limpa.

Material de uma, das várias campanhas promovidas pela proteção do Banhado do Pontal da Barra, na década de 90.

Somaram-se novos atores, tanto da sociedade civil, como órgãos públicos (Programa Mar de Dentro, FEPAM, SEURB, SQA... notadamente no inicio dos anos 2000), levando a interdição administratriva e a não renovação da Licença Ambental, tanto a nivel municipal como estadual, porém de forma temporária.

Diário Popular, abril de 1999.

Diário Popular, abril de 1999.

Diário Popular, abril de 1999.

Nos anos 2010, veio o movimento Pontal Vivo. Mas a urbanização/destruição do banhado também seguiu.

Em 2012, nova denuncia e nova ACP, agora proposta pelo Ministério Público Federal (MPF) e com mais argumentos e estudos sobre o banhado, sob processo de degradação. Em 2016, veio a decisão:

- condenação da Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luis Roessler (FEPAM) à obrigação de não fazer, consistente em abster-se de conceder licença ambiental em favor de Pontal da Barra Loteamentos Ltda, Irajá Andara Rodrigues e Rogério dos Santos Rodrigues, relativamente aos lotes ainda não urbanizadas do Loteamento Residencial Pontal da Barra situados dentro de área de banhado, ou em área que constitua habitat da espécie A. nigrofasciatus, ou ainda em área cuja urbanização afete área de banhado ou habitat da referida espécie;

- condenação dos proprietários à “recuperar, mediante projeto de recuperação submetido à aprovação do órgão ambiental competente, a área natural degradada por obras de aterramento e/ou de drenagem, realizadas nos anos de 2008, 2010 e 2012 para fins de construção do “Hotel Cavalo Verde” e do “Loteamento Villa Guilhermina”, sob pena de pagamento de multa diária”.

Após seis anos, na semana passada, o TRF-4 confirmou a decisão de primeira instancia que acatou grande parte das alegações do MPF, a partir dos subsídios fornecidos ONGs ambientalistas/ecologistas e seus apoiadores, so quais, em diversos estudos apontam o remanescente do Banhado do Pontal da barra como um ecossistema de grande importância ecológica e histórica, entre outro motivos por ser habitat de espécies endêmicas e ameaçadas de extinção, bem como por nele existirem sítios arqueológicos. O Acordão do TRF-4, assim, refirma a sentença de primeiro grau, a qual não deixa duvida, sobre a obrigatoriedade legal da proteção dos banhados, como há muito o movimento ambiental/ecológico destaca.

Entre os fundamentos da decisão do TRF-4, esta b) “o dever de proteção da diversidade genética e da fauna, imposto ao Poder Público e a toda coletividade”; b) o “endemismo da espécie (Austrolebias nigrofasciatus) e da necessidade de sua preservação para a não ocorrência de sua extinção; c) bem como a área do loteamento ser considerada como banhado, demonstrado por laudo pericial, corroborado por “uma série de outros documentos técnicos (acima listados), sendo que, ainda que parte da área fosse composta por campos alagados temporariamente, mesmo assim deveria ser preservada, pois este é o habitat prioritário dos peixes rivulídeos, dentre os quais o Austrolebias nigrofasciatus, espécie endêmica do Pontal da Barra e ameaçada de extinção”. O patrimônio arqueológico não foi base para fundamentação.

Foi provido o recurso com o afastamento da condenação ao pagamento de honorários advocatícios, por parte da FEPAM e do loteador, os quais já haviam sido beneficiados com a diminuição de multa por não cumprimento de decisão judicial (também neste caso), no valor de 1 milhão para aproximadamente 200 mil.

Apesar de grande parte do banhado já ter sido objeto de loteamento, essa decisão é uma vitória da luta ecológica, mesmo que tenha levado três décadas para ser atingida. Fato é que, se o Judiciário tivesse tomado essa decisão anteriormente, grande parte do destruição do banhado seria evitada.

Assim, a sociedade civil já reconheceu a importância do banhado, a ciência igualmente, o mesmo vale para o Legislativo (com a elaboração de leis para sua proteção) e agora também o Judiciário. Resta que o Poder Executivo (governo Paula Mascarenhas/PSDB) cumpra sua obrigação constitucional e crie a Unidade de Conservação devida, ainda esse ano, iniciando uma nova etapa na proteção do remanescente do Banhado do Pontal da Barra, assegurando os direitos fundamentais da população que reside no seu entorno.

Enfin, não era e nunca foi "politicagem"!!! Sempre foi politica e ciência pelos direitos fundamentais das populações tradicionais, pela proteção dos banhados e da vida humana e nao humana.

Atualizado em 21.09.22, as 22:23h.


Nenhum comentário: