No Dia do Pampa, 17 de dezembro, cabe trazer a
situação dramática quanto à conversão progressiva e indiscriminada sofrida pelo
bioma que ocupa 68,8% do território do Rio Grande do Sul, estando restrito no
Brasil ao estado gaúcho.
A Constituição Estadual prevê valorizar e
preservar o Pampa Gaúcho, sua cultura, o patrimônio genético, a diversidade de
fauna e a vegetação nativa, garantindo-se a denominação de origem. Não há como
pensar o RS sem o Pampa. Assim, a conservação dos elementos que o caracterizam
é defender o próprio Estado do Rio Grande do Sul.
Contudo, o que se percebe é um processo de perdas
gigantescas do patrimônio socioambiental do bioma. Segundo a rede de pesquis-adores
denominada MapBiomas (2021), o
Pampa é o que mais perdeu sua área com cobertura natural entre todos os biomas
brasileiros, ou seja, em um período de 36 anos (1985-2020) foram
suprimidos 21,4% (2,5 milhões de hectares) de vegetação nativa de
seu território. No Rio Grande do Sul, estima-se a perda anual de cerca de
125 mil hectares de remanescentes de campos nativos, dando lugar,
principalmente, às monoculturas de soja, eucalipto e megamineração. Nesse
período, a agricultura converteu mais de 1,9 milhão de hectares de área do
Pampa. A atividade, que ocupava 29,8% do bioma em 1985, expandiu-se para 39,9%
do território em 2020.
O documento denominado “Agonia
do Pampa”, elaborado pela Rede Campos Sulinos, descreve que há
municípios do Pampa em situação extrema de perda da vegetação nativa. Em 2018,
a pior situação foi constatada em Santa Bárbara do Sul e Palmeira das Missões,
com só 3% de remanescentes de campos nativos, seguidos por Cruz Alta (6%),
Santa Vitória do Palmar (12%), Tupanciretã (16%), Júlio de Castilhos (17%),
Jóia (18%) e Arroio Grande (25%). Os campos missioneiros, com cobertura típica
de capim–barba-de-bode estão desaparecendo!
A perda de área representa o fim de habitats
fundamentais à fauna, à flora, às áreas de campos de pastagens para pecuária
familiar e perda de estoque de espécies de plantas nativas forrageiras,
ornamentais, medicinais, frutíferas, entre outros usos, incluindo atributos
importantes ao turismo, no que hoje é conhecido como a Rota dos Butiazais.
Contudo, um processo de depreciação da diversidade, através do modelo de
exportação ecocida e que estrangula, inclusive, a diversificação de atividades
que manteriam menos vulnerável a economia gaúcha, perante as oscilações do
mercado internacional de commodities ou mesmo às mudanças climáticas, que
prejudicam as safras agrícolas.
Entre os aspectos que aprofundam a gravidade da
situação está a inação do governo estadual. A Secretaria Estadual do Meio
Ambiente e Infraestrutura (Sema), sob pressão de grandes federações patronais,
em especial do agronegócio, nega-se a cumprir a exigência da Reserva Legal
(RL), das Áreas de Preservação Permanente (APPs) e do Programa de Regularização
Ambiental (PRA), determinados pela Lei 12.651/2012 (Código da Vegetação
Nativa). A temática da RL, que obriga que toda propriedade tenha que delimitar
uma área de 20% da propriedade com vegetação nativa conservada (campos ou
matas), ou compensar conforme mecanismos previstos em Lei, é um dos pontos
fundamentais, negados por setores ruralistas e do governo estadual, que alegam
equivocadamente que os campos sob qualquer intervenção pecuária, até julho de 2008,
já seriam “áreas rurais consolidadas", sem direito à RL.
Cabe destacar que o governo estadual, que deveria
garantir e orientar os proprietários rurais a regularizarem seus passivos
ambientais, ainda não cumpriu a previsão legal do PRA, após nove
anos da aprovação da Lei 12.651/2012. Assim, praticamente, nenhuma
vegetação nativa do Pampa foi recuperada em Áreas de Preservação Permanente
(APP) que protegem as margens de nascentes, cursos d’água e encostas
declivosas.
A Constituição Federal, em seu artigo 225,
determina, claramente, que é função do poder público garantir os processos
ecológicos, a diversidade biológica e vedar atividades que venham a provocar
extinção de espécies.
Além da desproteção dos ecossistemas do Pampa,
verifica-se o descumprimento de acordos internacionais assinados pelo Brasil
que estabelecem metas com percentuais de preservação do território. A Meta 11,
das Metas da Biodiversidade 2020 (Acordo de Aichi/2010 a 2020), definiu, pelo
menos, que 17% de áreas terrestres de especial importância para biodiversidade
e suas funções ecológicas essenciais estejam conservadas, por meio de sistemas
de áreas protegidas geridas de maneira efetiva e equitativa, ecologicamente
representativas e satisfatoriamente interligadas, entre outros aspectos.
Entretanto, o Pampa possui a menor proporção
de unidades de conservação (UCs) dentre todos os biomas brasileiros, com apenas
3% do seu território protegido. Várias áreas de UCs tiveram projetos
engavetados pelos governos estadual e federal. Por outro lado, existem regiões
do Pampa que já estão excessivamente descaracterizadas, a ponto de colocar em
risco a própria capacidade de restauração ecológica com as variantes genéticas
típicas dessas regiões, com o agravante de que a desestruturação da comunidade
vegetal original promove condições para o avanço de espécies exóticas invasoras
nos campos, com destaque ao capim-annoni e à braquiária.
Com base na situação evidentemente calamitosa
deste bioma, trazemos aqui o presente manifesto em prol da Moratória à
Conversão no Pampa. Ou seja, dada a condição de perda acelerada de sua
vegetação nativa, é necessária uma interrupção das licenças e da concessão
de financiamento para a conversão dos seus ecossistemas naturais em lavouras
e outras grandes atividades de degradação ambiental, como um Gabinete
de Crise, até que se reconheça a grave situação e o governo tome as
providências e iniciativas para estancar e reverter este processo.
Cabe, neste ínterim, aos órgãos de meio ambiente,
em especial a SEMA, fazer valer a exigência da RL, do PRA e o acompanhamento
da efetivação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) nas propriedades rurais que
não vêm cumprindo estas obrigações legais. Cabe ao Estado providenciar
políticas que reconheçam as Áreas Prioritárias para a Biodiversidade (APBio),
com base nos mapeamentos oficiais, a proteção às espécies ameaçadas e dar
sequência aos processos que visam a implantação de UCs no Pampa, em especial
aquelas de uso sustentável.
Além disso, destaca-se que as denúncias neste
manifesto poderão ter repercussões internacionais, devido à inação deliberada
dos governos e as consequências, como o agravamento dos impactos sobre o bioma
com maior perda no Brasil. Cobramos, da mesma forma, a responsabilização das
agências financiadoras que promovem estas atividades econômicas, sem controle,
em especial em APBio ou propriedades que não cumprem com as exigências do CAR.
É importante que se interrompa o círculo vicioso da economia vigente e
insustentável nos territórios do Pampa, invertendo-se os recursos para
atividades compatíveis que mantenham os processos ecológicos assegurados pela
Constituição Federal.
Reclamamos-se que sejam implantadas, de forma
urgente, políticas de gestão ambiental, que promovam o equilíbrio
ecológico-econômico real no Pampa, diante de suas vocações socioambientais
e de sua geobiodiversidade, reconhecendo-se a importância da pecuária familiar,
das comunidades tradicionais, incluindo uma economia virtuosa, com base nestes
elementos locais, ou seremos testemunhas da consolidação de ilegalidade e
impunidade que estão levando ao fim do bioma Pampa.
Assinam:
Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do
Meio Ambiente - Apedema
Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural
- AGAPAN
Associação dos Funcionários da Fundação Zoobotânica
- AFFZB
Associação de Proteção ao Ambiente Natural -
AIPAN (Ijuí)
Associação dos Servidores da Carreira de
Especialista em Meio Ambiente e do Plano Especial de Cargos do IBAMA - PECMA no
RS - ASIBAMA-RS
Associação dos Servidores da SEMA - ASSEMA/RS
Centro de Estudos Ambientais - CEA
Grupo Ecológico Sentinela dos Pampas / GESP
Instituto Curicaca
Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais - InGá
Instituto MIRA-SERRA
Instituto Orbis
Movimento Gaúcho em Defesa do Meio Ambiente -
Mogdema
Movimento de Justiça e Direitos Humanos - MJDH
Movimento Roessler para Defesa Ambiental
Núcleo de Ecojornalistas do RS - NEJ-RS
União Pedritense de Proteção ao Ambiente Natural
de Dom Pedrito - UPPAN-DP
União Protetora do Ambiente Natural - UPAN
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