quinta-feira, 3 de agosto de 2023

Agronegócio, Comércio, Indústria, Governo e ONG (da qual é oriundo o secretario) dizem não ao Parque das Caturritas


O governo municipal, aliado com representantes do capital, derrotou a primeira medida favorável à criação do Parque das Caturritas, proposta apoiada pela comunidade (já são mais de 2.500 pessoas) e defendida pelo movimento Rio Grande Quer Verde (RGQV), na área do bosque remanescente de Mata Atlântica junto ao Camping Municipal do Cassino, apesar da maior parte de tal ecossistema já ter sido devastado para um loteamento... licenciado pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SMMA).

Tal fato se deu na Reunião Ordinária (RO) do Conselho Municipal DEFESA DO MEIO AMBIENTE (COMDEMA), na data de 25.07.23, algo inaceitável quando se trata um colegiado que legalmente deve promover a “DEFESA DO MEIO AMBIENTE” !!!

Outrossim, a condução referida RO, a cargo da SMMA (presidente do COMDEMA), se mostrou fora dos padrões costumeiros.

Primeiro porque, logo no seu inicio, contrariando as normas regimentais, a SMMA, fora do previsto na pauta, se reportou a uma Audiência Publica recente, ocorrida na Câmara de Vereadores (cuja a condução também foi de forma atípica e com alterações repentinas e indevidas no previamente combinado, levando ao cerceamento de falas para os representantes do RGQV e ao franqueamento abusivo e desnecessário de fala à SMMA), para provocar uma espécie de tribunal parcial, realizando um “julgamento” indevido e inoportuno do movimento RGQV (o qual o CEA integra), configurando um abuso do seu poder/dever de organizar e conduzir a RO. Sem apontar autores, local, horário e, sobretudo, sem apresentar NENHUMA PROVA, a SMMA imputou ao movimento fatos inverídicos, os quais foram devida, respeitosa e integralmente refutados pelos seus representantes presentes.

Igualmente, a SMMA também foi além de suas atribuições ao fazer manifestação de mérito sobre o que deve ou não ser feito por um movimento social que defende a arborização urbana, como o caso do RGQV. Não é competência legal da SMMA emitir juízo de valor sobre movimentos e/ou coletivos organizados da sociedade civil. Ao agir dessa forma, o governo promove uma inaceitável confusão entre o papel legal e constitucional do Poder Público e da sociedade civil, pois quem deve prestar contas é o Poder Público à sociedade civil e não ao contrário e, lembramos, é poder/dever constitucional da sociedade civil defender o meio ambiente (art. 225 da Constituição).

Mata Atlnatica do Parque das Caturritas. Foto: CEA.

Ainda, extrapolando seu dever de fazer acontecer a RO, a SMMA negou que o COMDEMA tenha falta de transparência, novamente se referindo a fatos alheios a pauta. A proposito cabe citar duas das teses estabelecidas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o constitucional Direito à Informação, um dos fundamentos que obrigam a Mesa do COMDEMA oferecer mais transparência dos atos e funcionamento desse Colegiado Ambiental:

“1. O direito de acesso à informação no direito ambiental brasileiro compreende: i) o dever de publicação, na internet, dos documentos ambientais detidos pela administração não sujeitos a sigilo (transparência ativa); ii) o direito de qualquer pessoa e entidade de requerer acesso a informações ambientais específicas não publicadas (transparência passiva); e iii) o direito a requerer a produção de informação ambiental não disponível para a administração (transparência reativa);

“2. Presume-se a obrigação do Estado em favor da transparência ambiental”.

Assim, é direito da sociedade civil ter acesso as informações ambientais relativas ao COMDEMA (e a política ambiental em geral) e é obrigação da Mesa do COMDEMA e da SMMA de garanti-las, pois sem ela não há adequada participação da sociedade Civil e, consequentemente, se caracteriza violação do Art. 225 da Constituição, entre outras normas ambientais.

Se é fato que o COMDEMA já tem um nível de transparência legalmente satisfatório, questionamos:

- onde estão publicadas as informações e os processos que tramitam no COMDEMA e aqueles documentos que são dele emanados, como pareceres, atas, etc...?

- onde estão publicadas as resoluções do COMDEMA?

- onde estão publicados os vídeos das reuniões gravadas durante a pandemia?

- onde esta publicado o Relatório Anual de suas atividades?

- onde esta a acessibilidade do serviço de recebimento de denúncias e reclamações?

- Porque a pagina na internet do COMDEMA não esta mais no ar e desde quando? 

- Como pode ser transparente uma instituição publica ambiental que tem por regra escrita a vedação expressa do ato de “informar as partes interessadas ou ao público a distribuição e andamento dos processos”, salvo “expressa determinação do presidente”? Ou seja, a regra é o segredo. A exceção é a publicidade da informação, o que fere frontalmente a Constituição, a lei e a jurisprudência do STJ referida.

A SMMA é quem, em nome da transparência, por força da Constituição, da lei e da jurisprudência, já que o Direito à Informação Ambiental é condição indispensável à proteção ambiental, tem o dever de explicar o motivo pelo qual coloca o complexo processo de licenciamento de forma on line, mas não disponibiliza, nessa mesma internet, os documentos do COMDEMA, deixando assim, de assegurar a transparência devida.

Se, para o governo municipal, é possível colocar, de forma célere, via rede mundial de computadores, um sistema de licenciamento ambiental, facilitando os interesses de quem gera impacto ambiental (obras e atividades que devem ser licenciadas), qual seria razão para não disponibilizar a mera publicação de documentos (atas, pareceres, etc...), atendendo os interesses da cidadania ambiental, já que se trata de medida muito menos complexa do que um licenciamento? Salvo se a SMMA tenha simplificado tanto o processo de licenciamento ambiental, com prejuízo da proteção do ambiente, que o tenha tornado mais fácil de coloca-lo na internet do que a simples publicação de atas e demais documentos do COMDEMA.

Contudo, a própria condução da reunião contrariou a afirmação da SMMA sobre a dispensa de maior transparência do COMDEMA, pois a RO se deu de forma marcada pela extrapolação de poder, tendo em vista que, por várias formas, buscou-se restringir o debate, como encerrando das inscrições para falas em tempo muito inferior ao costumeiro, somente voltando ao procedimento de praxe após manifestação de integrantes do movimento.

Assim, a RO seguiu com a apresentação, também por parte da SMMA, da Moção para apoio a proteção do sobrou da Mata Atlântica no Camping do Cassino, quando foram expostas pela FURG sugestões de redação elaboradas pela Mesa Diretora do COMDEMA (SMMA, FURG, NEMA e CIRG), as quais, após solicitação de justificativa por parte do movimento, as mesmas foram aceitas integralmente pelo RGQV.

As falas todas convergiam para aprovação, passando o entedimento de que o texto seria aprovado por unanimidade, já que a SMMA tinha se manifestado favorável no início da reunião e ainda explicou como seria a publicação da Moção após eventual aprovação e, sobretudo, porque as propostas de emendas da Mesa foram aceitas na integra, o que tacitamente significaria um acordo entre os proponentes conselheiros da Mesa e os demais presentes. pois ninguém contestou as emendas propostas. A única ressalva foi da Kaosa (“ONG” não filiada a Assembleia Permanente das Entidades de Defesa do Meio Ambiente do RIo Grande do Sul - APEDEMA), qual disse ser favorável, apesar de levantar algumas duvidas e criticas de ordem metodológica, negando a importância ambiental e social da Mata Atlântica.

Apesar do movimento RGQV ser a maioria na RO do COMDEMA, não tinha nenhum dos 11 assentos desse colegiado ambiental.

Votaram DELIBERADAMENTE contra:

- Câmara do Comércio. O que foi uma surpresa, pois no lugar do representante titular, que já havia se comprometido em apoiar o Parque (que também já tinha sido uma surpresa), foi o seu suplente, ligado a mercado imobiliário e que nunca é visto nas reuniões, permanecendo na mesma só o tempo para votar contra. Não ficou até o fim da reunião que também tratou de outros temas. Isso pode ser considerado abarcado pelo Principio da Moralidade da Administração Publica?

- Sindicato Rural, que reproduziu a fake news (já super batida no campo ambiental e também adequadamente desmentida) de que o agro não só protege o ambiente, mas é quem mais protege. Disse que criar Parque deve ser feito com reponsabilidade e com cuidado. Conselheiro de “defesa do meio ambiente”, a responsabilidade com o presente e o futuro é manter o máximo de árvores em pé e plantar quanto mais árvores possíveis (o planeta precisa de mais de 1,2 trilhões de árvores segundo estudos científicos) deve ser a regra e não exceção. Um Parque garante árvores em pé, conselheiro do agro, e, só por isso (mas tem muito mais), propor sua criação é suficientemente RESPONSÁVEL com a vida humana e não humana. Manter as arvores em pé, sequestra carbono que o agro libera na atmosfera (69% das emissões de gases do efeito estufa no Brasil é de RESPONSABILIDADE do agro, aumentando a crise climática). Quem é responsável ou irresponsável, mesmo?

- SMMA, alegou que o governo tem "planos" para o Camping, mas sem a devida transparência, pois não explicou quais são suas intenções e nem fundamentou tal ato, que é um dever constitucional da Administração Pública. Contudo, restou demonstrado que os tais planos da SMMA não são de proteção ambiental, mesmo que uma de suas atribuições legais seja: “submeter à deliberação do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente - COMDEMA - as propostas de políticas, normatizações, procedimentos e diretrizes definidas para o gerenciamento ambienta municipal.”

Votaram disfarçadamente contra (Abstenção, na pratica é como um não):

- CIRG, não falou uma palavra. Apenas riu enquanto os defensores do Parque defendiam a proposta e, quando foi questionado por tal conduta que atenta contra o decoro de um conselheiro e do próprio Conselho, seguiu em silêncio. Faltou argumento ou coragem? Ou ambos? Agravante: a condução dos trabalhos (pela SMMA) ao contrario de intervir para pedir respeito a todos/as presentes, o fez em defesa do conselheiro que ria das falas pro Parque! E o pior, não foi a primeira vez que essa postura abusiva e antirregimental da mesa ocorreu;

- KAOSA, no mérito se disse a favor, mas não votou a favor. Como assim? Diz uma coisa e faz outra? Se somos o que praticamos e não o que alegamos, foi contra proteger árvores. Se escudou numa falsa celeridade do processo. É... de certo, devagar foi a devastação da maior parte do bosque e é o aumento da crise climática. E, ademais, toda a rapidez para proteger a natureza ainda é pouco. "Detalhe": é a instituição de onde o secretario da SMMA é oriundo.

Não votaram pelo Parque, pois estavam ausentes (fizeram muita falta. Aliás, foram faltas decisivas):

- ICMbio (já havia anunciado apoio);

-IBAMA (já havia anunciado apoio);

- Cia Ambiental, popularmente conhecida como PATRAM.

Votaram a favor, como é OBVIO para conselheiros/as que DEFENDEM O MEIO AMBIENTE:

- Laguna Sul;

- FURG; e

- NEMA.

Que o representante da indústria seja contra a proteção ambiental não surpreende, mas o órgão de controle ambiental adotar tal postura, ai sim é algo inaceitável. Ainda mais num município com flagrante deficiência de arborização urbana. Rio Grande apresenta um índice de 5.98 m² de área verde por habitante, muito abaixo do recomendado, pois a Organização Mundial da Saúde-OMS indica 32m2 por habitante e a Sociedade Brasileira de Arborização Urbana – SBAU entende ser 15m2 por habitante o índice mínimo aceitável. 

Quadro demonstrativo da votação:





Além do mais, se não bastasse a condução atípica da reunião, o processo de analise da Moção também foi absolutamente fora dos padrões regimentais. Apesar de ser solicitado pelos integrantes do RGQV, a proposta do Parque não foi objeto de analise e, tão pouco, de parecer/manifestação de nenhuma CT do COMDEMA. A Moção foi submetida somente à um crivo politico e não técnico, pois, ao contrário dos demais temas/processos que tramitam COMDEMA, sua analise de mérito, antes de ser feita pelo Plenário, se deu exclusivamente pela Mesa Diretora, atribuição que não lhe cabe, mas sim as Câmaras Técnicas (CTs). A função da Mesa deve se restringir à burocracia/gestão.

Como um Conselho que se diz e pretende ser de defesa do meio ambiente, ter a participação hegemônica de representantes de setores que provocam degradação ambiental e a crise climática? Como podem usar esse espaço publico para decidirem e construírem regras a seu favor e em detrimento da população, da natureza e contra a defesa do constitucional ambiente ecologicamente equilibrado?

O COMDEMA deve obedecer às normas regimentais e a lei ambiental e, sobretudo, não pode seguir dominado por uma pratica e uma ideologia pro mercado em detrimento da população e da natureza.

Ironia ou não, após a derrota com tons de negacionismo da Moção do Parque a reunião seguiu com pedido de apoio da SMMA ao COMDEMA para... mudanças climáticas.

É parafraseando o dito popular: O COMDEMA não e para amadores! No caso, amadores (os que amam a natureza, a vida). Mas, certamente, não deve ser para profissionais, ou seja, aqueles que desenvolvem um trabalho ou atividade especializada e remunerada (em troca de dinheiro).

Sem Democracia Ambiental, e para isso precisa transparência e garantia de participação com equidade, não existirá o constitucional ambiente sadio e ecologicamente equilibrado para a vida humana e não humana.

Veja a reunião completa aqui e tire suas próprias conclusões .



Sobre a Mata Atlântica devastada para obra de um loteamento... LI-CEN-CI-A-DO!!!

Trocar uma mata, com árvores nativas e exóticas, num ecossistema de Mata Atlântica (o bioma mais degradado do Brasil, com 90% já destruído) em estágio médio de regeneração por negócios imobiliários discutíveis, não é desenvolvimento e, muito menos sustentável, salvo se o governo entende que esse deve ser sinônimo de devastação. Um desenvolvimento real e para o presente e futuro deve ter como meta um ambiente equilibrado, observado os princípios constitucionais, como o da função social da propriedade.

Há outras questões sobre o licenciamento ambiental desse loteamento a serem oportunamente apontadas.








   



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