Jornal Agora, agosto de 1993.
Parece que aquela postura antidemocrática e não protetora do ambiente do passado, que caracterizou os governos municipais de Direita e o funcionamento do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (COMDEMA), durante os mesmos, esta de volta.
Não faz muito tempo (junho
de 1993), iniciou uma luta travada pela reestruturação do COMDEMA, a partir de uma
minuta de PL elaborada pelo CEA e aprovada em debates públicos, como relata o artigo
abaixo, publicado no jornal local, em 1995.
De um lado o CEA e apoiadores.
De outro o governo, o capital e apoaidores. Como hoje, de novo, verificamos ocorrer no
COMDEMA.
A luta pela reestruturação
do COMDEMA durou quase uma década. Foi mais intensa e direta no perídio de junho
de 1993, apesentação da minuta pelo CEA até de novembro de 2000, quando foi aprovada a Lei Municipal 5.463, com
base na referida minuta. Na verdade, se trata quase do mesmo texto.
Contudo, foram suprimidos e/ou modificados trechos que tornam a Lei mais próxima aos
tempos autoritários pré-Constituição de 88, do que os pós, democráticos. O chamado enxugamento (que, de fato, é retirada de direitos, conforme a ótica neoliberal).
Antes da minuta virar lei aprovada pela Câmara e sancionada pelo prefeito, os governos de Direita agiram para que o COMDEMA não fosse reestruturado, fazendo com que a politica ambiental fosse construída em gabinetes, sem transparência (entre compadres, amigos e/ou parceiros políticos) e, sobretudo, contra a proteção ambiental.
TEMPO
DE ÉTICA E DE COMDEMA
“Nem o tempo amigo,
nem a força bruta
pode um sonho apagar.”
Beto Guedes e Ronaldo Bastos
A Lei Municipal 3832/83, criou o Conselho Municipal de Defesa
do Meio Ambiente (COMDEMA), aproximadamente cinco meses após a fundação de
direito do Centro de Estudos Ambientais (CEA), período no qual o regime
autoritário expelia seus últimos suspiros de controle, imposto pela violência,
sobre o país. Período também, caracterizado pela luta da sociedade rio-grandina
e gaúcha na defesa da livre organização e escolha dos governantes, onde a
preocupação com a qualidade de vida, especialmente com a degradação ambiental,
ganhava grandes espaços, não só na mídia, mas também nos debates coletivos e
sociais. Em razão do regime de força e centralizado, Rio Grande era chamada de
Área de Segurança Nacional. Seu prefeito era nomeado e não eleito pelo voto
direto, como o é hoje e a lei maior não havia sido elaborada por uma Assembleia
Nacional Constituinte, mas sim imposta, ao arrepio da legalidade e da
legitimidade popular. Portanto, a criação e funcionamento de um conselho
popular, ainda mais na área ambiental, poderia, em tese, sem a menor dúvida,
ser considerado um avanço democrático.
Mas, a ditadura, pelo menos formalmente, acabou. A Constituição
Federal foi refeita por um Congresso Nacional eleito pelo voto direto,
especialmente para tal. A nova constituição permitiu que os municípios se libertassem,
parcialmente, do governo federal, introduzindo direitos à sociedade civil e ao
cidadão, nunca antes previstos numa Constituição nacional. Na área ambiental, a
Lei Magna, tornou-se uma das mais avançadas do planeta, servindo de paradigma
para muitos países desenvolvidos.
As Constituições estaduais e as leis orgânicas municipais
também foram reescritas, tendo a Constituição Federal como base legal.
Dessa forma, os avanços democráticos proporcionados pela
lei de criação do COMDEMA passaram a ser anacrônicos desintonizados com a nova
ordem constitucional, necessitando, assim, de uma reestruturação legal, observando
o Princípio da Participação Popular, o qual rege o funcionamento de todos os
conselhos (Da Saúde, DA Mulher, Tutelar, De Desenvolvimento) pós 88. E foi
exatamente esse ajuste jurídico e político que o Centro de Ambientais (CEA) propôs,
através de um projeto-de-lei (PL) o qual foi amplamente debatido com a
comunidade, com o Poder Público Municipal estadual e federal, nos chamados
Ciclos de Debates Ambientais, promovidos pelo Poder Executivo Municipal, por
solicitação do CEA.
O CEA expôs seu projeto de lei, o qual foi objeto de
críticas e apoios, no decorrer de cinco sessões públicas, acontecidas no
auditório da Câmara do Comércio do Rio Grande. Participarem das discussões: a
URG, a OAB, o IBAMA, o SENAI, a Câmara de Vereadores, a COMABES, o NEMA, o
Grupo Ecológico da Vila da Quinta, o Lions Cassino, representantes do antigo COMDEMA,
a Fertisul, a DEFER, a Trevo, a Pescal, a Pastoral dos Pescadores, o SINDÁGUA,
a EMATER, a AMPERG, Associação dos Proprietários de Imóveis, a Brigada Militar,
o Grupo de Proteção Apis Melífera, a imprensa local e pessoas da comunidade.
Tais entidades e pessoas discutiram e votaram qual o
perfil de conselho municipal ambiental desejavam, num exemplo singular de
Democracia, numa prática jamais antes de vista no município de Rio Grande. A
partir do projeto de lei do CEA, aprovou-se, por maioria, o texto final, o qual
foi encaminhado ao Poder Executivo Municipal para as providências legais.
Assim sendo, o COMDEMA que havia ficado esquecido, no
mínimo, de 2 de abril de 90 (data da promulgação da Lei Orgânica Municipal) até
26 de agosto 93 (data da primeira sessão pública para debater o projeto de lei
do CEA), estava pronto para se concretizar como instrumento singular e
democrático da política ambiental municipal, bastando para tanto que o Poder
Executivo Municipal cumprisse sua parte no processo, implementando o conselho,
fato que já deveria ter acontecido desde a promulgação da referida Lei Orgânica,
por força do seu artigo 198.
Cabe ressaltar que os estudos que levaram ao projeto de
lei, elaborado pelo CEA, para reestruturação do COMDEMA, basearam-se na
doutrina atual do Direito Ambiental e na legislação vigente, como foi o caso da
Lei 6938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, a qual
instituiu o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA).
Entretanto, o Poder Executivo Municipal não realizou a
sua parte para reestruturar o COMDEMA, descumprindo a legislação ambiental e
desconsiderando os trabalhos dos segmentos diretamente envolvidos e da
comunidade em geral, no que tange ao debate e aprovação pública de estrutura, da
forma, das competências e do funcionamento do novo conselho ambiental municipal,
situação que obrigou a Câmara de Vereadores, em 01/03/94, apresentara o projeto
de lei de reestruturação do COMDEMA, tal como havia sido votado nas sessões
públicas.
Frente a real possibilidade do COMDEMA existir e
proporcionar uma política ambiental ética e séria para o município, o Poder Executivo
contestou judicialmente o artigo 198 da Lei Orgânica Municipal.
Desde então, até a presente data, Rio Grande ainda
prescinde de uma política ambiental ética e séria. O Poder Executivo não tem
tratado esta questão como a lei e a comunidade exigem.
O trabalho dos conselheiros do CONDEMA seria não
remunerado, reunindo técnicos capacitados, representantes do setor produtivo e
da comunidade em geral, os quais, juntamente com o Poder Público, combateriam o
problema ambiental de Rio Grande. Não sendo via conselho, não existem recursos
públicos para tal atividade.
Diante de tais vantagens para a comunidade e também para o
Poder Público (que também é a comunidade), além daqueles que votaram contra o
projeto de lei de reestruturação do COMDEMA, quando da ocorrência dos Ciclos de
Debates Ambientais, não é concebível que outros, como Poder Público,
encarregado constitucionalmente de defender o ambiente, se transforme no
principal empecilho para a criação de um conselho que ajudaria nesta sua
obrigação.
Uma série de cidades do Rio Grande do Sul já tem
conselhos ambientais. A Lei Municipal 3835/94, reestrutura o Conselho Municipal
de Proteção Ambiental (COMPAM), na vizinha cidade de Pelotas, a partir de
proposta do CEA e a Lei Estadual 10.330/94, criou o Conselho Estadual de Meio Ambiente
(CONSEMA)
É preciso deixar claro que não é apenas uma exigência de
algumas ONGs ambientalistas, a existência de um conselho popular ambiental,
também é de muitos órgãos financiadores sejam nacionais ou internacionais. Sem
proteção ambiental não há dinheiro para investimento.
O COMDEMA é uma necessidade atual. Ignorá-lo é ignorar a
organização da comunidade. Impedi-lo é impedir uma política ambiental para Rio
Grande. Sua implementação deve ser feita nos moldes já debatidos e votados, sob
pena de um conselho fictício e manipulado.
Hoje em pleno Estado de Direito, Rio Grande não tem seu
conselho municipal ambiental. Será mesmo que vivemos numa democracia?
Antonio Soler
Membro do Conselho Estadual do Meio Ambiente (CONSEMA)/Porto
Alegre
Membro do Conselho Municipal de Proteção Ambiental (COMPAM)/Pelotas
Membro da Comissão Municipal de Podas e Erradicações/Rio Grande
Membro do Departamento Jurídico do Centro de Estudos Ambientais
(CEA)
Publicado originalmente na Revista do Jornal da Folha da
Cidade / Especial / página 5 / 01 de setembro/30 de outubro de 1995.
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