O Conselho de Defesa do Meio
Ambiente (COMDEMA) de Rio Grande/RS, instância superior do Sistema Municipal de
Política Ambiental, fez sua segunda reunião de 2021, em 30.03, para tratar de
temas fundamentais para defesa ambiental, sua finalidade legal precípua, como o
Plano Ambiental Municipal (PLAM) e impactos nas dunas locais, este ultimo pautado
em razão de provocação do Ministério Publico
Federal (MPF), acerca de eventos off-road na faixa de praia.
O governo municipal, através
da Secretaria de Desenvolvimento, Inovação e Turismo (SMDIT), de pronto, se declarou
favorável a atividades dessa ordem.
Contudo, a
questão é complexa, politica e tecnicamente e não só de mera opinião, pois existe
inviabilidade legal para a realização desse tipo de atividade em zona de dunas,
conforme destacou o CEA com base no ordenamento jurídico ambiental brasileiro,
o qual protege tal ecossistema costeiro, patrimônio nacional pela Constituição
de 88.
O Conselho
Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) define dunas “como unidade geomorfológica de
constituição predominante arenosa, com aparência de cômoro ou colina, produzida
pela ação dos ventos, situada no litoral ou no interior do continente, podendo
estar recoberta, ou não, por vegetação” (CONAMA, 2002).
Diante desse conceito, diversas regras federais, estaduais e municipais levam a proibição da realização de tais atividades econômicas nesse ecossistema frágil. É o caso de Resoluções do CONAMA e da lei municipal, as quais expressamente estabelecem respectivamente que:
“Constitui Área de Preservação Permanente a área situada:
(...)
XI - em duna;”
“A áreas de dunas são destinadas a atividades públicas
culturais, turísticas, ecoeducativas e de lazer, nos termos da presente Lei,
sendo vedada qualquer ação ou atividade que comprometam ou possam comprometer,
direta ou indiretamente, sua paisagem ou seus atributos naturais e/ou causar
danos ou degradação, nos termos da presente Lei, bem como das demais
disposições legais vigentes, tais como:
(...)
II -
trânsito de veículos motorizados;”
As dunas, na praia do Cassino, são protegidas por lei construída com amplo debate publico. Foto: CEA.
A razão da lei municipal coibir
tal atividade motorizada, além do histórico de degradação acelerada de
destruição das dunas em Rio Grande, notadamente a partir do anos de 1970, se
deve a inúmeros danos potenciais e efetivos, já cientificamente comprovados, ao
ecossistema de dunas e à vida dele interdepende, provenientes da mesma, notadamente
pela erosão e compactação provocada pelos pneus, levando não só a modificação
física do ambiente (como, p. ex., alteração do processo natural de
permeabilidade do solo), mas também ao incremento dos riscos de poluição
(deposição de resíduos sólidos no ambiente, vazamentos, emissões...), atentando
contra a biodiversidade, destruindo a vegetação precursora das dunas, p. ex.,
entre outros habitats e locais nidificação de aves...
Nos ambientes típicos de
dunas, são encontrados habitats de alguns animais ameaçados de extinção, como o
tuco-tuco-das-dunas (espécies do gênero
Ctenomys spp), roedor que se espalha pelo Pampa e pela Zona Costeira.
Conforme a recente Diretriz
Técnica FEPAM 05/2021, o RS é habitat de “cinco espécies ocorrem no Rio Grande
do Sul. Exclusivas do Estado são C. flamarioni, C. lami, C. ibicuiensis,
enquanto C. minutus ocorre também no estado de Santa Catarina e C. torquatus no
Uruguai (Freitas 1995; Freygang 2004, Stolz 2006). As espécies C. flamarioni e
C. lami são consideradas ameaçadas de extinção no Estado, sendo enquadradas na
categoria Em Perigo na lista das espécies da fauna ameaçada do Estado”.
Projeto Tuco-Tuco. Fonte: https://linktr.ee/projetotucotucoufrgs
O ICMBio e
a SMMA se manifestaram no sentido de rearticular um Grupo de Trabalho (GT) que
tratava da gestão interinstitucional da orla.
Um pouco de historia da luta ecologia pela dunas
Importante conhecer como
chegamos até onde chegamos, tanto no que tange a degradação, como proteção das
dunas, para ter uma ideia melhor do que fazer de agora em diante, considerando
sempre a regra do art 225 da Constituição Federal, que garante direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado como um direto fundamental.
Depois de sofrer um forte
processo de degradação ambiental, especialmente nos 70/80, em razão de obras de
infraestrutura, aberturas de via, construção civil em geral, entre outras, as
dunas de Rio Grande, notadamente as do entrono do Saco da Mangueira e da Praia
do Cassino, passaram a ser objeto defesa do movimento ecológico, notadamente pelo
Centro de Estudos Ambientas (CEA) e seus apoiadores.
Após muita luta ecológica
(que envolveram embates políticos e ate repressão policial), que se
materializaram em protestos, debates científicos/políticos e outras ações de
Educação Ambiental, conseguimos aprovar uma lei municipal que CONSIDERA AS
DUNAS E O CONJUNTO ECOLÓGICO QUE FORMAM, PATRIMÔNIO AMBIENTAL, CULTURAL E
PAISAGÍSTICO DO MUNICÍPIO DO RIO GRANDE.
O texto inicial do Projeto
de Lei (PL), que acabou aprovado pela Câmara de Vereadores e sancionado pelo
prefeito, foi elaborado pelo setor jurídico do CEA, o qual, antes de se tornar
uma lei, no final dos anos 90, foi submetido a um amplo processo democrático,
com debates públicos e consulta popular, contando com a participação e apoio da
comunidade universitária e de instituições ligadas a temática ambiental.
Cabe destacar que o CEA tem,
na sua gênese de ativismo ecológico, a defesa das dunas.
Podemos identificar essa
amalgama da luta pela proteção desse ecossistema costeiro com a origem do CEA,
como na manifestação dos autores da coluna impressa, publicadas no jornal de
circulação local, no final dos anos 1970 e início dos 1980, denominada Crônicas
Ecológicas, uma das bases locais para o que hoje é denominado de Educação
Ambiental Não-Formal (EANF). Tais autores, posteriormente, viriam a fundar o
CEA, juntamente com um grupo de estudantes e alguns membros do Centro
Excursionista Anhanguera (também de sigla CEA e a ai razão da sua permanencia),
fundado na década de 1940 (SOLER, 2019).
Ao se referir sobre a
devastação de tais ecossistemas, Felipe Guerra, um dos autores de tal coluna “tratou,
tematicamente, a construção da estrada da Quarta Secção da Barra e a retirada
das dunas para essa obra. Em crítica, Guerra diz que as dunas foram tragadas
pelo progresso imediatista” (ESTEVAM, 2013, p.105). Foi uma obra que gerou um
significativo impacto ambiental e brutal mudança na paisagem costeira.
Outro aspecto dessa origem é
verificado nas significativas e pioneiras manifestações de tal ativismo, justamente,
pela proteção das dunas do Saco Mangueira, local também de um sitio arqueológico,
o que contou também com adesão da comunidade universitária e outros apoiadores.
Tal manifestação, apesar de
pacífica, não foi respeitada pelo prefeito municipal a época, o qual, ao forçar
a travessia da via onde a mesma acontecia, não demonstrou vontade de conversar
com os manifestantes e, o veiculo, onde estava, avançou, dolosamente sobre os
mesmos, levando a um conflito, conforme testemunhas relatam. O resultado foi a prisão
arbitraria e ativistas do CEA mesmo após a finalização do protesto. Um dos
presos foi o Guerra que não só escrevia as Crônicas, mas também agia na luta
ecológica em concreto. Alias, essa é uma das características que apresentam os
nossos militantes: teoria e pratica, a práxis. O ano era 86. “Fim” da ditadura militar
e Rio Grande tinha sido, arbitrariamente declarado, Área de Segurança Nacional até
1985, período em que o prefeito era um interventor, nomeado autoritariamente
pelos golpistas. Apesar do prefeito em questão ter sido eleito pelo voto no ano
anterior (o primeiro pleito após a ditadura), havia sido um interventor de 1975
a 1978, alguém de confiança da ditadura. Alias, o ultimo interventor da
ditadura em Rio Grande (1981 a 1985), até recentemente (dezembro de 2020) ocupava
lugar no secretariado do governo municipal de Pelotas, integrante do grupo
politico que esta no poder desde 2006 e responsável pelo maior retrocesso
ambiental do munícipio, anteriormente território riograndino e também zona costeira,
com dunas e banhados.
Denuncia de retirada de dunas nas obras do loteamento ABC X, com Luiz Rampazzo em entrevista a emissora de TV local. Foto: CEA.
Mas as prisões não
intimidaram a luta ecológica do CEA. Ao contrário, seguimos protestando,
denunciando, nos manifestando e usando os instrumentos políticos, legais e
constitucionais disponíveis para proteger a dunas e promover o direito
fundamental ao ambiente ecologicamente equilibrado, protagonizando,
conscientemente ou não, as base da Educação Ambiental em Rio Grande e no Pampa.
Posteriormente, já na década
90, novamente o ativismo do CEA impediu que mais dunas da orla do Cassino
fossem retiradas para fins de construção civil e/ou manutenção de ruas. O CEA
flagrou e denunciou o governo municipal retirando ilegalmente areia das dunas.
Dai resultou uma Ação Civil Publica que condenou o município a proteger as
dunas.
Pelas inéditas iniciativas políticas/administrarias
de integração multi-institucional do Programa Mar de Dentro (PMD), avançamos na
proteção das Dunas. Entre as medidas promovidas pelo PMD, estavam o estimulo e
apoio a estudos científicos, atividades de educação ambiental, inclusive com a
disponibilização de recursos públicos do orçamento do estado para ONGs e o
Poder Publico, bem como articulações institucionais para viabilizar a passarela
de madeira, construída integralmente com recurso do PMD, única no Balneário do
Cassino, até então.
Fonte: Jornal Agora.
Assim, se as dunas, além de
serem um ecossistema único e relevante para o equilíbrio natural e bem estar social,
em razão das suas diversas funções ecológicas que diminuem a vulnerabilidade humana,
sendo vista tb como suporte físico (pista) e atrativo para pratica de atividades
motorizados para fins de movimentar a economia, e se ainda temos dunas na orla
urbanizada e não urbanizada do município de Rio Grande, apesar de toda a
devastação já sofrida em pouco mais de 40 anos, em grande medida se deve a luta
ecológica do CEA e seus apoiadores, uma luta que é permanente para todos que
compreendem a dimensão do direito constitucional ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado e o papel dos ecossistemas para tanto, os quais devem estar atentos
e agindo por sua proteção.
Debate sobre a proteção das dunas, na Câmara Municipal de Rio Grande, em 2000. Fonte: Jornal Agora.
Cabem aos órgãos públicos de
controle ambiental, como a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMMA), IBAMA,
ICMbio e MPF, garantirem a defesa desse direito, garantindo o cumprimento da
lei ambiental.
O PLAM, também abordado na
reunião, o conjunto de medidas administrativas e operacionais, para execução da
politica ambiental local e/ou regional, visando a proteção e recuperação do
ambiente, exigido pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente (CONSEMA), será
tratado em postagem seguinte.
Câmara de Vereadores de Rio Grande. Fonte: Jornal Agora.
Mais em:
https://centrodeestudosambientais.wordpress.com/2012/02/28/volume-de-lixo-cresce-nas-dunas/
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