segunda-feira, 5 de abril de 2021

Como Salles fez com o CONAMA, COMPAM tem sua democracia reduzida

 

Corticeira do Banhado, em área indicada pelo movimento ecológico para um Parque, cujos projetos urbanísticos, públicos e privados, planejados e executados, não são discutidos e nem informados previamente ao COMPAM. Foto: CEA.

Desde que foi restruturado por força da Constituição Federal de 88, em 1994, são de dois anos o mandato das entidades conselheiras do Conselho Municipal de Proteção Ambiental de Pelotas (COMPAM), órgão colegiado, deliberativo, fiscalizador e normativo, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA e instância superior para o estabelecimento da política ambiental do município, como diz a lei ambiental.

Durante o transcorrer do atual mandato, o qual se encerra em junho de 2021 e iniciou em junho de 2019, com a exclusão indevida de entidades como a EMBRAPA, o CEA e o CRBio, deveriam ser realizadas 24 reuniões ordinárias do plenário, uma por mês, sem considerar as de suas Câmaras Técnicas, que devem dar apoio técnico e politico as decisões de tal parlamento ambiental, incluindo o Conselho Gestor do Fundo Municipal de Proteção e Recuperação Ambiental (FMAM), o qual “tem por objetivo desenvolver projetos que visem o uso sustentável do ambiente, a melhoria, manutenção ou recuperação ambiental, com o escopo de atingir e manter uma sadia qualidade de vida para a coletividade, conforme estabelece a Constituição Federal.”

Contudo, das 22 reuniões ordinárias que já deveriam ter sido realizadas, somente 10 aconteceram até o presente momento. Caso sejam realizadas somente as 2 ultimas reuniões ordinárias restantes, sem que aconteça nenhuma reunião extraordinária, o mandato em curso deixará de realizar nada mais, nada menos que quase a metade do numero de reuniões ordinárias, devido legalmente.

Dito em outras palavras, na pratica, é como se o atual mandato tivesse sofrido uma cassação arbitraria e ilegal da metade do tempo legal, o que viola frontalmente o direito/dever constitucional da coletividade em defender o ambiente, conforme esta posto na doutrina jurídica ambiental dominante, nas leis vigentes e nos entendimentos dos tribunais superiores, notadamente através das decisões retiradas do Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ):

“Ao conferir à coletividade o direito-dever de tutelar e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado, a Constituição exigiu a participação popular na administração desse bem de uso comum e de interesse de toda a sociedade. E assim o fez tomando em conta duas razões normativas. A primeira consiste na dimensão objetiva do direito fundamental ao meio ambiente. A segunda relaciona-se com o projeto constitucional de democracia participativa na governança ambiental” (grifo nosso)

Tal inaceitável corte pela metade das reuniões ordinárias do COMPAM, não só fragiliza a democracia ambiental, pois afasta das decisões o órgão colegiado que deveria decidir sobre a politica ambiental, gerando um grande prejuízo para a qualidade dos ecossistemas locais, das pessoas e da vida que deles dependem, mas, sobretudo, faz com que a definição sobre a politica ambiental seja tomada em outros espaços, não necessariamente legítimos e legais e, o que é pior, sem o conhecimento e participação da sociedade, como exige a Constituição e os acordos internacionais ambiental das quais o Brasil é signatário.

Ou seja, atualmente, a democracia no COMPAM é muita mais formal, do que efetiva, material. E isso é antirregimental, ilegal e inconstitucional!!!!

Mas o número de reuniões devidas e não realizadas não é o único indicador de que a democracia efetiva não se dá no COMPAM na medida legal devida.

Outro aspecto extremamente relevante, que também demonstra a ausência de democracia efetiva no COMPAM, diz respeito as suas deliberações, ou melhor dizendo, a ausência delas.

Em 2019, 6 Resoluções foram aprovadas e publicadas. Também foi publicada, de forma injustificadamente tardia, uma Resolução dita aprovada em 2016, objeto de controvérsia e discussão de legitimidade. Nenhuma resolução foi publicada e/ou aprovada em 2020 e nenhuma resolução foi publicada e/ou aprovada em 2021. A situação ainda se agrava porque todas essas 7 Resoluções tratam estritamente de questões meios, administrativas, organizacionais, ou seja, nenhuma se debruça sobre a finalidade da Secretaria Municipal de Qualidade Ambiental (SQA) e do COMPAM, qual seja, a defesa constitucional do meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Ou seja, o COMPAM esta decidindo pouco e, o pouco que decide, não diz respeito a proteção ambiental, sua finalidade legal.

Inevitáveis as seguintes perguntas: quem ou quais instituições e/ou grupos de interesse esta/ão decidindo a politica ambiental com a SQA? Onde? Com qual finalidade?

Lembramos que a SQA, órgão da administração direta do Município, tem por finalidade atuar “como órgão central de proteção, fiscalização e licenciamento ambiental, observando a legislação ambiental e diretrizes estabelecidas pelo Conselho Municipal de Proteção Ambiental – COMPAM” e que, “para assegurar a proteção, preservação e melhorias da qualidade de vida do município”, cabe ao COMPAM:

“I - Fiscalizar o Poder Público da execução da política ambiental em Pelotas;

(...);

VI - Promover o intercâmbio entre entidades ligadas a proteção, preservação e recuperação ambiental;” (incisos I e VI, do art 5º, da Lei 3835/94).

Essas obrigações legais, tanto da SQA como do COMPAM, estão sendo prejudicadas e, por consequência, a atribuição do munícipio em promover o licenciamento ambiental também esta sob risco legal, podendo levar a uma insegurança jurídica.

O STF, em recente discussão sobre a democracia no CONAMA entendeu ser

inequívoco que a lesão ou ameaça aos preceitos fundamentais da participação popular direta (art. 1º, parágrafo único, CRFB), da proibição do retrocesso institucional e socioambiental (art.1º, caput e inciso III; art. 5º, inciso XXXVI e § 1º; e art. 60, § 4º, IV, CRFB), da igualdade em sua dimensão política e procedimental (art. 5º, inciso I, CRFB) e da proteção do meio ambiente (art. 225 CRFB), considerada a posição de centralidade que esses preceitos fundamentais assumem no desenho institucional da Constituição, mostra-se passível de desfigurar a identidade e estrutura do constitucionalismo pátrio (grifo nosso).

e que medidas governamentais ou não, que “obstaculizam, quando não impedem, as reais oportunidades de participação social na arena decisória ambiental”, levam a “um déficit democrático, procedimental e qualitativo, irrecuperável.” (grifo nosso); e

Assim, a “boiada esta passando”, não só no Ministério do Meio Ambiente (MMA), mas também aqui, parecem que as “porteiras foram abertas”.

Diante desse cenário preocupante e inédito desde sua reestruturação em 1994, o CEA, entidades conselheiras do COMPAM e o FDAM estão buscando medidas politicas e legais cabíveis para que sejam realizadas tantas reuniões extraordinárias quanto possíveis para tentar diminuir esse inconstitucional déficit democrático, materializado na ausência das reuniões ordinárias e de decisões que tratem do objetivo precípuo do COMPAM e da SQA: a proteção ambiental.

O CEA estuda medidas a serem adotadas junto ao Conselho Estadual do Meio Ambiente (CONSEMA), Ministério Publico e ao Poder Judiciário.

Mais em: http://ongcea.blogspot.com/search/label/COMPAM e https://centrodeestudosambientais.wordpress.com/?s=compam



Composição do COMPAM em 2014. Sede da SQA, na rua Professor Araújo. Foto:CEA.



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