quinta-feira, 11 de abril de 2024

ONGs Se Manifestam Sobre a Lei 16.111/24 no CONSEMA: inconstitucional!

Áreas de Preservação Permanente (APPs) atacadas.

Águas privatizadas.

Em tempos de emergência climática, Eduardo Leite (PSDB e eleitor do genocida) sanciona a Lei 16.111/24, inconstitucional, diminuindo ainda mais a proteção das Áreas de Preservação Permanente (APPs), se curvando novamente ao agronegócio (que consume 90% da água doce), em detrimento da coletividade e da Natureza.

É o retrocesso ambiental do retrocesso ambiental, que é o Código Estadual do Meio Ambiente, de 2020, objeto de AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE (ADI 6618), no SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF).

A seguir:



Manifestação da UPAN/CEA sobre a Lei n. 16.111/2024, EM 11.04.24, na 267ª Reunião Ordinária do CONSEMA, órgão superior do Sistema Estadual de Proteção Ambiental (SISEPRA), de caráter deliberativo e normativo, responsável pela aprovação e acompanhamento da implementação da Política Estadual do Meio Ambiente

Em 12 de março último, foi aprovado, na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, o Projeto de Lei (PL) n. 151/2023[1], de autoria do deputado estadual Delegado Zucco (PL), sancionado pelo governador, Eduardo Leite (PSDB), em 09 de abril, se transformando na Lei n. 16.111/2024[2]alterando a Lei n. 15.434/2020[3], que institui o Código Estadual do Meio Ambiente (CEMA), objeto de retrocesso ambientais inconstitucionais.

Com a promulgação da referida lei estadual, que representa mais um retrocesso ambiental e com a inexistência de debate prévio necessário neste Conselho Estadual de Meio Ambiente (CONSEMA), órgão superior do Sistema Estadual de Proteção Ambiental (SISEPRA), passou-se a classificar – como excepcionalidades ao caráter de permanência das Áreas de Preservação Permanente (APPs) – enquanto de “interesse social as áreas destinadas ao plantio irrigado” e “demais obras, planos, atividades ou projetos definidos em resolução do Conselho Estadual do Meio Ambiente”, bem como de “utilidade pública as obras de infraestrutura de irrigação” - incluindo-se “barramentos ou represamentos de cursos d’água”.

Tais atividades, entretanto, ao não constarem como excepcionalidades previstas na Legislação Federal – seja enquanto “utilidade pública”, seja como de “interesse social” – constituem-se clara afronta ao caráter de integralidade das APPs nela prevista para todas as demais situações, em que assim, portanto, são vedadas, sendo ilegal e inconstitucional regra que contrarie tal proteção.

A Lei n. 16.111/2024, ao desrespeitar normas gerais estabelecidas pela União (pelas Leis n. 12.651/12[4], n. 11.428/2006[5] e a seu Decreto n. 6.660/2008[6]), invadindo sua competência, fere assim o princípio da competência legislativa concorrente (vertical entre os entes da federação) prevista no Art. 24, VI da Constituição Federal de 1988, desviando-se do modelo constitucional vigente.

Fundamental assim, considerar que a previsão de regra estadual complementar à legislação federal veda ampliar possibilidades de licenciamento ambiental em APPs quando extrapolando desenho protetivo definido por aquela legislação, , mas tão somente a elaboração de normas suplementares, dentro de tais delimitações gerais constitucionais.

Importante atentar também a possíveis conflitos oriundos de desdobramentos práticos de tal desatenção, pela Lei n. 16.111/2024, ao princípio da competência legislativa concorrente, por exemplo em situações de licenciamento ambiental de atividades nela inclusas como de interesse social ou de utilidade pública em bacias hidrográficas de rios de domínio da União, que não interferem apenas nos recursos hídricos do Rio Grade do Sul.

Ainda do ponto de vista legal, e no campo da legislação de recursos hídricos, a Lei n. 16.111/2024 desconsidera também o princípio da participação dos indivíduos e das comunidades afetadas via instâncias participativas e suas diretrizes de descentralização por regiões e bacias hidrográficas através de seus respectivos comitês de gerenciamento, afetando frontalmente assim os objetivos e instrumentos de harmonização entre os múltiplos usos dos recursos hídricos ao promover sua competição e gestão privada. Ao desconsiderar a adoção das bacias hidrográficas como unidades básicas de planejamento e gestão dos recursos hídricos, a Lei n. 16.111/2024 também fere assim a hierarquia da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, que em seu Art. 171, instituiu o “Sistema Estadual de Recursos Hídricos” adotando “as bacias hidrográficas como unidades básicas de planejamento e gestão”.

As alterações legislativas promovidas pela Lei n. 16.111/2024 não contaram com parecer prévio dos respectivos Comitês de Bacia Hidrográficas – que é a quem legalmente cabe o planejamento e gestão do “uso dos recursos hídricos”, da “proteção dos recursos hídricos” e da “proteção contra os recursos hídricos em eventos extremos”.

A criação, em 2022, do “Grupo de Trabalho Políticas Públicas de Reservação de Águas”, para debater soluções para as dificuldades enfrentadas com a falta de água decorrente da estiagem no Estado, coordenado pelo Ministério Público do RS, e que contou com participação da Assembleia Legislativa, entidades representativas da produção rural e convite a Secretarias da Agricultura, do Meio Ambiente e IBAMA não pode ser utilizada como justificativa de suficiente processo participativo. Embora esse GT tenha apresentado documento de interpretação da legislação, concluído em 14 de abril de 2022[7], seus trabalhos e debates não contaram com participação desse Conselho Estadual de Meio Ambiente – CONSEMA e nem dos Comitês de Gerenciamento de Bacia Hidrográfica.

Recordamos aqui que a Lei Estadual n. 10.350/94[8], que criou o Sistema Estadual de Recursos Hídricos (SERH) e a Política Estadual de Recursos Hídricos (PERH) passou a considerá-los “na unidade do ciclo hidrológico, compreendendo as fases aérea, superficial e subterrânea, e tendo a bacia hidrográfica como unidade básica de intervenção”. Cabe a PERH e a seus instrumentos alcançar objetivos de “promover a harmonização entre os múltiplos e competitivos usos dos recursos hídricos e sua limitada e aleatória disponibilidade temporal e espacial, de modo a [entre outros] combater os efeitos adversos das enchentes e estiagens, e da erosão do solo” e “impedir a degradação e promover a melhoria de qualidade e o aumento da capacidade de suprimento dos corpos de água, superficiais e subterrâneos”.

Para tanto a PERH tem entre seus princípios regentes a gestão hídrica “no quadro do ordenamento territorial, visando à compatibilização do desenvolvimento econômico e social com a proteção do meio ambiente” e “o estabelecimento de instâncias de participação dos indivíduos e das comunidades afetadas” pela água. Entre suas diretrizes específicas, a descentralização das ações do Estado por “regiões e bacias hidrográficas”, a “participação comunitária através da criação de Comitês de Gerenciamento de Bacias Hidrográficas” e a articulação do SERH com demais sistemas estaduais, como “de planejamento territorial, meio ambiente, saneamento básico, agricultura e energia”.

Os retrocessos legislativos decorrentes da vigência da Lei n. 16.111/2024, prevendo redução de APPs, a vários princípios constitucionais, como Princípio da Motivação do Ato Administrativo, ao não aportarem fundamentação técnica que afastasse os possíveis riscos de prejuízos ambientais e às vidas humanas delas decorrentes; do Não Retrocesso Ambiental, pois diminui a proteção legal de tais espaços tutelados juridicamente, além do da Participação e das Competências mencionados acima;

Com vistas a observância a tais Princípios e outros a serem apontados oportunamente, o PL 151/2023 e sua sanção deveriam, mas não apresentaram, fundamentação técnica – incluindo, projeções do montante de redução de áreas de APPs a serem perdidas com a implementação de tal regramento, os impactos negativos na perda de funções, valores e atributos ecossistêmicos dessas e os respectivos resultados hidrológicos sobre os corpos hídricos advindos de tais supressões e barramentos.

Tal ausência de estudos com projeções de impactos hidrológicos prévios – dado os potenciais impactos negativos sobre a qualidade e quantidade dos recursos hídricos nas bacias hidrográficas advindos de tais intervenções em suas APPs – constituem situação não prevista nos Planos de Bacias, gerando assim necessidade de estabelecimento de critérios adicionais e revisão de prioridades para a outorga de direitos de uso de recursos hídricos relacionados a barramentos.

No atual cenário de emergência climática no RS, caracterizado por eventos extremos, com tendência a alternância entre estiagens e grandes concentrações de chuvas em curtos períodos, a Lei n. 16.111/2024 amplia riscos num momento em que os biomas Pampa e Mata Atlântica já tem sido injusta e dramaticamente afetados, não apenas em termos materiais e econômicos, mas inclusive com dezenas de perdas de vidas humanas.

Sendo imperioso nesse contexto a adoção de políticas públicas que promovam a proteção e a gestão sustentável da águas e dos biomas gaúchos e não as que possam contribuir, ainda mais, para sua degradação, sobretudo fazendo-se estratégico o papel da preservação das nascentes e da vegetação protetiva de seu entorno, delimitado em APPs, não apenas para a manutenção do equilíbrio hídrico e do ambiente (art. 225 da Constituição Federal), mas também para a redução de vulnerabilidades à riscos à vidas humanas em situações extremas, a Lei n. 16.111/2024 vem, entretanto, na contramão disso.

É de conhecimento científico, técnico e de crescente domínio público que a manutenção dos aspectos quali-quantitativos da água nas bacias hidrográficas e, também, a prevenção a riscos a vidas humanas têm relação direta com a manutenção da sua cobertura vegetal, sobretudo em APPs. Nessa lógica, impactos negativos, por definição como de proteção de nascentes e/ou de vegetação ciliar – por gerarem efeitos deletérios sobre as águas das respectivas bacias hidrográficas – não geram impactos unicamente locais, devendo assim ser tratados no contexto da sua gestão à luz de seu arcabouço legal/constitucional e institucional.

Fundamental considerar que barramentos, quando cheios, não possuem qualquer capacidade de retenção hídrica adicional, não apresentando a função de amortecimento de escoamento de águas de chuvas torrenciais e de enxurradas apresentada pela vegetação em APP do entorno dos corpos hídricos – potencialmente assim agravando os riscos a vidas humanas à jusante nessas situações cada vez mais frequentes no RS.

Da mesma forma é necessário se considerar os riscos adicionais de rompimento de tais barragens, cujo potencial de multiplicação numérica conferido pela Lei n. 16.111/2024 é inversamente proporcional a capacidade de fiscalização pelos órgãos de Estado, cuja estrutura sabidamente é deficitária para o atendimento das demandas, como pode ser inequivocadamente verificado e admitido pelo governo do estado em relação as empresas fornecedoras de energia elétrica, serviço essencial, hoje privatizado.

Os barramentos que se pretende com a Lei n. 16.111/2024 representam aparentemente também ignorado potencial de alteração da qualidade da água, entre outros por acumulação de sedimentos, variações nas correntes, aporte de nutrientes, iluminação e na temperatura da água, com riscos de eutrofização ou mesmo eventual Floração de Algas Nocivas (FAN).

A Lei n. 16.111/2024 não contêm também disposições “compensatórias” adequadas para enfrentar os eventuais danos ambientais, ainda mesurados cientificamente, decorrentes da remoção de vegetação nativa em APPs e carece de um plano eficaz de recuperação ambiental, conforme delineado pelo Programa de Regularização Ambiental (PRA), constituindo outra falha grave e inaceitável em uma lei que afronta ainda os princípios da Prevenção, Precaução e da Conservação Recuperação dos ecossistemas.

É científico que a degradação de vegetação ciliar no entorno de nascentes e de corpos hídricos e sua consequente redução da capacidade de amortecimento e retenção hídrica ser um dos principais fatores que contribuem para agravar tanto os efeitos das estiagens quanto das enxurradas e inundações, assim como potencializar os próprios eventos climáticos extemos e seus decorrentes riscos a vidas humanas. Nesse sentido é anticientífico, absurdo e inadmissível o Rio Grande do Sul apresentar como suposta solução para tais consequências justamente a cilada de degradar ainda mais essas áreas que, por força de legislação federal, ainda permanecem preservadas em APPs.

Pelo exposto acima, manifestamos nosso posicionamento contrário à Lei n. 16.111/2024, tramitação e mérito, requerendo que tal ofício seja lido em plenário e anexado na ata da presente 267ª Reunião Ordinária do CONSEMA.

Ficamos a disposição para cooperar, nos termos constitucionais, com a proteção dos biomas Mata Atlântica e Pampa, com a defesa da democracia ambiental e do ambiente ecologicamente equilibrado.

 

Porto Alegre, 11 de abril de 2024.

 

Saudações Ecológicas,

 

 

CENTRO DE ESTUDOS AMBIENTAIS (CEA)

UNIÃO PROTETORA DO AMBIENTE NATURAL (UPAN)

ONGs CONSELHEIRAS DO CONSEMA



[1] Disponível em: https://www.al.rs.gov.br/legislativo/ExibeProposicao.aspx?SiglaTipo=PL&NroProposicao=151&AnoProposicao=2023

[2] Disponível em: https://www.diariooficial.rs.gov.br/materia?id=985097

[3] Disponível em: https://sincage.sefaz.rs.gov.br/documento-completo/e9855af6-bd2e-4276-8a4d-5e8fde8a2ac5

[4] Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12651.htm

[5] Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11428.htm

[6] Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Decreto/D6660.htm

[7] Matéria disponível em: https://www.mprs.mp.br/noticias/ambiente/54443/  e Documento Final disponível em: https://famurs.com.br/uploads/paginadinamica/35742/Item_7_de_pauta___Conclusoes___Politicas_Publicas_de_Reservacao_de_Aguas.pdf

[8] Disponível em: http://www.al.rs.gov.br/legis/m010/m0100018.asp?hid_idnorma=12501&texto=






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