Áreas de Preservação Permanente (APPs) atacadas.
Águas
privatizadas.
Em
tempos de emergência climática, Eduardo Leite (PSDB e eleitor do genocida)
sanciona a Lei 16.111/24, inconstitucional, diminuindo ainda mais a proteção
das Áreas de Preservação Permanente (APPs), se curvando
novamente ao agronegócio (que consume 90% da água doce), em detrimento da
coletividade e da Natureza.
É
o retrocesso ambiental do retrocesso ambiental, que é o Código Estadual do Meio
Ambiente, de 2020, objeto de AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE (ADI 6618),
no SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF).
A
seguir:
Manifestação
da UPAN/CEA sobre a Lei n. 16.111/2024, EM 11.04.24, na 267ª Reunião Ordinária
do CONSEMA, órgão superior do Sistema
Estadual de Proteção Ambiental (SISEPRA), de caráter deliberativo e normativo,
responsável pela aprovação e acompanhamento da implementação da Política
Estadual do Meio Ambiente
Em
12 de março último, foi aprovado, na Assembleia Legislativa do Rio Grande do
Sul, o Projeto de Lei (PL) n. 151/2023[1], de autoria do deputado estadual Delegado
Zucco (PL), sancionado pelo governador, Eduardo Leite (PSDB), em 09 de abril,
se transformando na Lei n. 16.111/2024[2], alterando a Lei n. 15.434/2020[3], que institui o Código Estadual do Meio
Ambiente (CEMA), objeto de retrocesso ambientais inconstitucionais.
Com
a promulgação da referida lei estadual, que representa mais um retrocesso
ambiental e com a inexistência de debate prévio necessário neste Conselho
Estadual de Meio Ambiente (CONSEMA), órgão superior do Sistema Estadual de
Proteção Ambiental (SISEPRA), passou-se a classificar – como excepcionalidades
ao caráter de permanência das Áreas de Preservação Permanente (APPs) – enquanto
de “interesse social as áreas destinadas ao plantio irrigado” e “demais
obras, planos, atividades ou projetos definidos em resolução do Conselho
Estadual do Meio Ambiente”, bem como de “utilidade pública as obras de
infraestrutura de irrigação” - incluindo-se “barramentos ou
represamentos de cursos d’água”.
Tais
atividades, entretanto, ao não constarem como excepcionalidades previstas na
Legislação Federal – seja enquanto “utilidade pública”, seja como de “interesse
social” – constituem-se clara afronta ao caráter de integralidade das APPs
nela prevista para todas as demais situações, em que assim, portanto, são
vedadas, sendo ilegal e inconstitucional regra que contrarie tal proteção.
A Lei n. 16.111/2024, ao desrespeitar normas gerais
estabelecidas pela União (pelas Leis n. 12.651/12[4], n. 11.428/2006[5] e a seu Decreto n. 6.660/2008[6]), invadindo sua competência, fere
assim o princípio da competência legislativa concorrente (vertical entre os
entes da federação) prevista no Art. 24, VI da Constituição Federal de
1988, desviando-se do modelo constitucional vigente.
Fundamental
assim, considerar que a previsão de regra estadual complementar à legislação
federal veda ampliar possibilidades de licenciamento ambiental em APPs quando
extrapolando desenho protetivo definido por aquela legislação, , mas tão
somente a elaboração de normas suplementares, dentro de tais delimitações
gerais constitucionais.
Importante
atentar também a possíveis conflitos oriundos de desdobramentos práticos de tal
desatenção, pela Lei n. 16.111/2024, ao princípio
da competência legislativa concorrente, por exemplo em situações de
licenciamento ambiental de atividades nela inclusas como de interesse social ou
de utilidade pública em bacias hidrográficas de rios de domínio da União, que
não interferem apenas nos recursos hídricos do Rio Grade do Sul.
Ainda
do ponto de vista legal, e no campo da legislação de recursos hídricos, a Lei n. 16.111/2024 desconsidera também o princípio da participação dos indivíduos e
das comunidades afetadas via instâncias participativas e suas diretrizes de
descentralização por regiões e bacias hidrográficas através de seus respectivos
comitês de gerenciamento, afetando frontalmente assim os objetivos e
instrumentos de harmonização entre os múltiplos usos dos recursos hídricos ao
promover sua competição e gestão privada. Ao
desconsiderar a adoção
das bacias hidrográficas como unidades básicas de planejamento e gestão dos
recursos hídricos, a Lei n. 16.111/2024 também fere assim a
hierarquia da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, que em seu Art. 171,
instituiu o “Sistema Estadual de Recursos Hídricos” adotando “as
bacias hidrográficas como unidades básicas de planejamento e gestão”.
As
alterações legislativas promovidas pela Lei n. 16.111/2024 não contaram com
parecer prévio dos respectivos Comitês de Bacia Hidrográficas – que é a quem
legalmente cabe o planejamento e gestão do “uso
dos recursos hídricos”, da “proteção dos recursos hídricos” e da “proteção
contra os recursos hídricos em eventos extremos”.
A
criação, em 2022, do “Grupo de Trabalho Políticas Públicas de Reservação de
Águas”, para debater soluções para as dificuldades enfrentadas com a falta
de água decorrente da estiagem no Estado, coordenado pelo Ministério Público do
RS, e que contou com participação da Assembleia Legislativa, entidades
representativas da produção rural e convite a Secretarias da Agricultura, do
Meio Ambiente e IBAMA não pode ser utilizada como justificativa de suficiente
processo participativo. Embora esse GT tenha apresentado documento de
interpretação da legislação, concluído em 14 de abril de 2022[7], seus trabalhos e debates não contaram com
participação desse Conselho Estadual de Meio Ambiente – CONSEMA e nem dos
Comitês de Gerenciamento de Bacia Hidrográfica.
Recordamos aqui que a Lei Estadual n. 10.350/94[8], que criou o Sistema Estadual de Recursos
Hídricos (SERH) e a Política Estadual de Recursos Hídricos (PERH) passou a
considerá-los “na unidade do ciclo hidrológico, compreendendo as fases
aérea, superficial e subterrânea, e tendo a bacia hidrográfica como unidade
básica de intervenção”. Cabe a PERH e a seus instrumentos alcançar
objetivos de “promover a harmonização entre os múltiplos e competitivos usos
dos recursos hídricos e sua limitada e aleatória disponibilidade temporal e
espacial, de modo a [entre outros] combater os efeitos
adversos das enchentes e estiagens, e da erosão do solo” e “impedir a
degradação e promover a melhoria de qualidade e o aumento da capacidade de
suprimento dos corpos de água, superficiais e subterrâneos”.
Para tanto a PERH tem entre seus princípios
regentes a gestão hídrica “no quadro do ordenamento territorial, visando à
compatibilização do desenvolvimento econômico e social com a proteção do meio
ambiente” e “o estabelecimento de instâncias de participação dos
indivíduos e das comunidades afetadas” pela água. Entre suas diretrizes
específicas, a descentralização das ações do Estado por “regiões e bacias
hidrográficas”, a “participação comunitária através da criação de
Comitês de Gerenciamento de Bacias Hidrográficas” e a articulação do SERH
com demais sistemas estaduais, como “de planejamento territorial, meio
ambiente, saneamento básico, agricultura e energia”.
Os
retrocessos legislativos decorrentes da vigência da Lei n. 16.111/2024,
prevendo redução de APPs, a vários princípios constitucionais, como Princípio
da Motivação do Ato Administrativo, ao não aportarem fundamentação técnica que
afastasse os possíveis riscos de prejuízos ambientais e às vidas humanas delas
decorrentes; do Não Retrocesso Ambiental, pois diminui a proteção legal de tais
espaços tutelados juridicamente, além do da Participação e das Competências
mencionados acima;
Com
vistas a observância a tais Princípios e outros a serem apontados
oportunamente, o PL 151/2023 e sua sanção deveriam, mas não apresentaram,
fundamentação técnica – incluindo, projeções do montante de redução de áreas de
APPs a serem perdidas com a implementação de tal regramento, os impactos
negativos na perda de funções, valores e atributos ecossistêmicos dessas e os
respectivos resultados hidrológicos sobre os corpos hídricos advindos de tais
supressões e barramentos.
Tal
ausência de estudos com projeções de impactos hidrológicos prévios – dado os
potenciais impactos negativos sobre a qualidade e quantidade dos recursos
hídricos nas bacias hidrográficas advindos de tais intervenções em suas APPs –
constituem situação não prevista nos Planos de Bacias, gerando assim
necessidade de estabelecimento de critérios adicionais e revisão de prioridades
para a outorga de direitos de uso de recursos hídricos relacionados a
barramentos.
No
atual cenário de emergência climática no RS, caracterizado por eventos
extremos, com tendência a alternância entre estiagens e grandes concentrações
de chuvas em curtos períodos, a Lei n. 16.111/2024 amplia riscos num momento em
que os biomas Pampa e Mata Atlântica já tem sido injusta e dramaticamente
afetados, não apenas em termos materiais e econômicos, mas inclusive com
dezenas de perdas de vidas humanas.
Sendo
imperioso nesse contexto a adoção de políticas públicas que promovam a proteção
e a gestão sustentável da águas e dos biomas gaúchos e não as que possam
contribuir, ainda mais, para sua degradação, sobretudo fazendo-se estratégico o
papel da preservação das nascentes e da vegetação protetiva de seu entorno,
delimitado em APPs, não apenas para a manutenção do equilíbrio hídrico e do
ambiente (art. 225 da Constituição Federal), mas também para a redução de
vulnerabilidades à riscos à vidas humanas em situações extremas, a Lei n.
16.111/2024 vem, entretanto, na contramão disso.
É
de conhecimento científico, técnico e de crescente domínio público que a
manutenção dos aspectos quali-quantitativos da água nas bacias hidrográficas e,
também, a prevenção a riscos a vidas humanas têm relação direta com a
manutenção da sua cobertura vegetal, sobretudo em APPs. Nessa lógica, impactos
negativos, por definição como de proteção de nascentes e/ou de vegetação ciliar
– por gerarem efeitos deletérios sobre as águas das respectivas bacias
hidrográficas – não geram impactos unicamente locais, devendo assim ser
tratados no contexto da sua gestão à luz de seu arcabouço legal/constitucional
e institucional.
Fundamental
considerar que barramentos, quando cheios, não possuem qualquer capacidade de
retenção hídrica adicional, não apresentando a função de amortecimento de
escoamento de águas de chuvas torrenciais e de enxurradas apresentada pela
vegetação em APP do entorno dos corpos hídricos – potencialmente assim
agravando os riscos a vidas humanas à jusante nessas situações cada vez mais
frequentes no RS.
Da
mesma forma é necessário se considerar os riscos adicionais de rompimento de
tais barragens, cujo potencial de multiplicação numérica conferido pela Lei n.
16.111/2024 é inversamente proporcional a capacidade de fiscalização pelos
órgãos de Estado, cuja estrutura sabidamente é deficitária para o atendimento
das demandas, como pode ser inequivocadamente verificado e admitido pelo
governo do estado em relação as empresas fornecedoras de energia elétrica,
serviço essencial, hoje privatizado.
Os
barramentos que se pretende com a Lei n. 16.111/2024 representam aparentemente
também ignorado potencial de alteração da qualidade da água, entre outros por
acumulação de sedimentos, variações nas correntes, aporte de nutrientes,
iluminação e na temperatura da água, com riscos de eutrofização ou mesmo
eventual Floração de Algas Nocivas (FAN).
A
Lei n. 16.111/2024 não contêm também disposições “compensatórias” adequadas
para enfrentar os eventuais danos ambientais, ainda mesurados cientificamente,
decorrentes da remoção de vegetação nativa em APPs e carece de um plano eficaz
de recuperação ambiental, conforme delineado pelo Programa de Regularização
Ambiental (PRA), constituindo outra falha grave e inaceitável em uma lei que
afronta ainda os princípios da Prevenção, Precaução e da Conservação
Recuperação dos ecossistemas.
É
científico que a degradação de vegetação ciliar no entorno de nascentes e de
corpos hídricos e sua consequente redução da capacidade de amortecimento e
retenção hídrica ser um dos principais fatores que contribuem para agravar
tanto os efeitos das estiagens quanto das enxurradas e inundações, assim como
potencializar os próprios eventos climáticos extemos e seus decorrentes riscos
a vidas humanas. Nesse sentido é anticientífico, absurdo e inadmissível o Rio
Grande do Sul apresentar como suposta solução para tais consequências
justamente a cilada de degradar ainda mais essas áreas que, por força de
legislação federal, ainda permanecem preservadas em APPs.
Pelo
exposto acima, manifestamos nosso posicionamento contrário à Lei n.
16.111/2024, tramitação e mérito, requerendo que tal ofício seja lido em
plenário e anexado na ata da presente 267ª Reunião Ordinária do CONSEMA.
Ficamos a disposição para cooperar, nos termos
constitucionais, com a proteção dos biomas Mata Atlântica e Pampa, com a defesa
da democracia ambiental e do ambiente ecologicamente equilibrado.
Porto
Alegre, 11 de abril de 2024.
Saudações Ecológicas,
CENTRO
DE ESTUDOS AMBIENTAIS (CEA)
UNIÃO
PROTETORA DO AMBIENTE NATURAL (UPAN)
ONGs
CONSELHEIRAS DO CONSEMA
[1] Disponível em: https://www.al.rs.gov.br/legislativo/ExibeProposicao.aspx?SiglaTipo=PL&NroProposicao=151&AnoProposicao=2023
[2] Disponível em: https://www.diariooficial.rs.gov.br/materia?id=985097
[3] Disponível em: https://sincage.sefaz.rs.gov.br/documento-completo/e9855af6-bd2e-4276-8a4d-5e8fde8a2ac5
[4] Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12651.htm
[5] Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11428.htm
[6] Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Decreto/D6660.htm
[7] Matéria disponível em: https://www.mprs.mp.br/noticias/ambiente/54443/ e
Documento Final disponível em: https://famurs.com.br/uploads/paginadinamica/35742/Item_7_de_pauta___Conclusoes___Politicas_Publicas_de_Reservacao_de_Aguas.pdf
[8] Disponível em: http://www.al.rs.gov.br/legis/m010/m0100018.asp?hid_idnorma=12501&texto=
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