quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Relatório Ambiental: De 16 devidos a SQA só publicou 3



 

O acesso a informação ambiental, um dos princípios formadores do Direito Ambiental, é também um direito de todos/as, consagrado no ordenamento jurídico ambiental brasileiro.

Segundo a Lei da Politica Nacional de Educação Ambiental e a Lei da Politica Estadual de Educação Ambiental a “garantia de democratização das informações ambientais” é um objetivo fundamental da educação ambiental, sendo aquela condição para esta. E, sem informação e educação ambiental a participação popular fica restringida ou até mesmo inviabilizada.

Em Pelotas, a luta ecológica reivindicou o direito do acesso a informação ambiental, conquistando a Lei Municipal 3.863/94, que dispôs sobre a realização de Relatório Anual da Qualidade Ambiental do Município de Pelotas (RAMB). Tal regra antecede a lei federal (2003) e a lei estadual do RS (2008) sobre o tema.

O RAMB deve apresentar os conteúdos mínimos de interesse ambiental e a Secretaria de Qualidade Ambiental (SQA) o deve produzir, em conjunto com o Conselho Municipal de Proteção Ambiental (COMPAM) para que as organizações não governamentais (ONGs), as instituições de ensino, os órgãos ambientais e a sociedade em geral tenham acesso a informação ambiental, como uma possibilidade para conscientização sobre a qualidade do meio na qual estão inseridos/as, viabilizando uma participação na gestão pública ambiental em condições para tal, pois não é possível opinar e/ou decidir sobre o que se desconhece.

Assim, a lei citada determina que o RAMB deve apresentar informações sobre a “situação ambiental do município”, contendo no mínimo:

I - relação das atividades realizadas pelo órgão municipal ambiental, de forma detalhada, como por exemplo projeto, autorizações, licenças, multas, gastos, estudos, planos, seminários, bem como qualquer outra efetuada;

II - relação das unidades de conservação situadas no município e suas condições;

III - a situação da vegetação nativa e flora do município, bem como das podas efetuadas de forma legal e ilegalmente;

IV - sobre a coleta, transporte, manuseio e destino final dos resíduos domiciliares, industriais, hospitalares e outros;

V - sobre as condições dos recursos hídricos do município, incluindo estudos sobre a balneabilidade ou não dos mesmos, nos termos da legislação federal;

VI - sobre a poluição atmosférica;

VII - sobre as obras e atividades efetivas ou potencialmente poluidoras;

VIII - sobre o sistema de tratamento de esgoto cloacal do município;

IX - um diagnóstico com as características dos ecossistema locais, demostrando como eram, qual a situação atual e as possíveis alterações;

X - bem como todas as demais necessárias ao cumprimento desta Lei, sem prejuízo das estabelecidas pelo conselho disposto no artigo 273, da Lei Orgânica Municipal.”

Acontece que a SQA, vem descumprindo descaradamente a lei do RAMB, deixando de elaborá-lo sem motivação e/ou fundamentação, em que pese as diversas tentativas do Centro de Estudos Ambientais (CEA) e de outros conselheiros e conselheiras do COMPAM (como consta na Ata Reunião Extraordinária de 19.03.2012) em reverter tal afronta a lei ambiental e a esse direito da coletividade.

Tal omissão levou a um vazio na política ambiental municipal, privando a sociedade civil de conhecer sobre a qualidade ambiental, o que, por consequência, levou a uma impossibilidade de participar da gestão ambiental, configurando, também, um ataque à educação ambiental, assegurada na Constituição Federal e em outros diplomas legais como a própria Lei da PNEA e a Lei da Politica Estadual de Educação Ambiental, já citadas.



Deixar de publicar o RAMB já seria muito grave para a politica ambiental. Mas não é só boicotando o RAMB que a SQA sonegou e sonega a informação. Ela também desrespeita tal direito ao não dar publicidade adequada dos seus atos e a documentos elaborados, bem como aos do COMPAM, uma vez que cabe a ela tal medida por força de lei.

Existem inúmeros outros exemplos. O sitio eletrônico da SQA não é devidamente atualizado e nem tão pouco reflete a variedade de atribuições e serviços prestados pela SQA aos cidadãos bem como aqueles voltados para proteção ambiental. Não é de conhecimento público os Termos de Ajustamento de Conduta (TACs), Termos de Compromisso Ambiental (TCAs) e/ou medidas compensatórias ou mitigatórias estabelecidas pela SQA, nem como elas são determinadas e nem a quem são dirigidas ou quem tem obrigação de cumpri-las. No sitio eletrônico da SQA também não constam informações atualizadas sobre o uso dos recursos do Fundo Municipal de Proteção e Recuperação Ambiental (FMAM) - http://ongcea.blogspot.com/2020/11/fundo-ambiental-boicotado-e-zerado.html.

Entendendo que foge da legalidade o governo que não informa, informa parcialmente ou de maneira não clara sobre atos e/ou matérias ambientais relativas às suas atribuições e que o fortalecimento da democracia e da transparência da/na politica ambiental reclama a implantação e a divulgação de medidas e mecanismos que assegurem a informação ambiental ao público em geral, de forma regular, sem a dependência de provocação previa de eventuais interessados, o CEA, após varias tentativas insuficientes juntos a SQA e ao COMPAM, em 2015, apresentou uma representação ao MP para garantir o acesso público às informações ambientais, tendo por objeto:

a) a observância da lei que dispõe sobre a realização do RAMB;

b) a publicização dos atos administrativos da SQA e do COMPAM, com adequada anterioridade quando sua substancia assim exigir, seja através de meios digitais (como a página eletrônica da Prefeitura Municipal ou a criação de página própria) e físicos (como a imprensa local) relativa as suas atribuições;

 

c) maior transparência no processo de licenciamento ambiental, já a busca de informações pelo Sistema de Licenciamento Ambiental (SISLAN) exige o conhecimento prévio de dados processuais indisponíveis ao público (http://ongcea.eco.br/?p=20843);

d) divulgação dos Termos de Ajustamento de Conduta (TACs), Termos de Compromisso Ambiental (TCAs) e/ou medidas compensatórias ou mitigatórias estabelecidas pela SQA;

e) divulgação da movimentação dos recursos que dão entrada e saída do FMAM.

 

Após tal ação, a SQA alterou a configuração do site, mas que continua impreciso e incompleto e desatualizado.

Sobre o RAMB, após um ano (2016) deixando de atender a lei e agora também aos ofícios do MP, a SQA acabou por publicar um RAMB em 2017 e outro em 2019, mas não explicou porque deixou de fazer outras 13 vezes. Sim, o grupo político que esta na SQA desde 2005, dos 16 RAMBs que deveriar publicar, só o fez em três oportunidades. Uma ainda em 2006, quando o CEA teve sucesso de sua reivindicação via COMPAM e outras duas vezes (2017 e 2019), após nossa representação ao MP.

Mas mesmo assim, o conteúdo dos RAMB publicados não atendei o mínimo que a lei determina, como:

- desrespeito ao prazo final para publicação, todo ano em 05.06, no Dia Mundial do Meio Ambiente;

- publicação, de forma resumida, em periódico de grande circulação local;

- envio de duas cópias às ONGs cadastradas no COMPAM;

- elaboração em conjunto com o COMPAM?

A SQA também não esclareceu quais são as medidas adotadas (se é que foram) para evitar o descumprimento da Lei do RAMB para o próximo ano.

Das demais questões representadas ao MP, aguardamos encaminhamentos.

A seguir tabela que compara prefeitos x secretários x publicação do RAMB, desde a criação a SQA, em 2001. Note-se que desde então ocuparam a pasta 10 secretários, todos homens. A metade (cinco) advogados. Do grupo que esta no poder há 16 anos, e que publicou 3 (2 somente após representação do CEA ao MP, em 2015) dos 16 RAMBs devidos, Fetter e Leite foram os que mais trocaram secretários. Cada um contou com três secretários diferentes. Paula contou com dois secretários e Bernardo com um. O prefeito que publicou o RAMB foi o Bernardo (1 RAMB) e a Prefeita foi a Paula (2 RAMBs), mas somente após o MP agir por provocação do CEA. A troca seguida de titular da pasta contraria um trabalho eficaz e pode indicar o uso da SQA para ajustes políticos e não para seu fim: proteção ambiental, o que pode explicar, em grande parte, a precariedade da politica ambiental atualmente.

 

Prefeito

Secretario

Profissão

Período

RAMB

Fernando Marroni (PT)

Alexandre Melo Soares (PT)

Advogado

2001 a 2004

2000/2001,

2002 e

2003

Bernardo de Souza (PPS) 1º de janeiro de 2005 a junho de 2006

Leonardo Martins Cardoso (PTB)

Veterinário

2005 a julho de 2008

2006

Fetter Junior (PP) junho de 2006 a 31 de dezembro de 2008 (vice) e 1º de janeiro de 2009 a 31 de dezembro de 2012

Mateus Lopes da Silva (PTB)

Advogado

Julho de 2008 a 2011

NÃO PUBLICOU

Fetter Junior (PP) 1º de janeiro de 2009 a 31 de dezembro de 2012

Luís Henrique Viana (PSDB)

Advogado

Fev 2011 a 2012

NÃO PUBLICOU

Fetter Junior (PP) 1º de janeiro de 2009 a 31 de dezembro de 2012

Paulo Morales (PSDB)

Engenheiro Civil

2012

NÃO PUBLICOU

Eduardo Leite (PSDB) 1º de janeiro de 2013 a 31 de dezembro de 2016

Neiff Satte Alam (PDT)

Biólogo

2013 a julho de 2014

NÃO PUBLICOU

Eduardo Leite (PSDB) 1º de janeiro de 2013 a 31 de dezembro de 2016

Luiz Fernando Van Der Laan (PSDB)

Engenheiro Civil e Agrícola

julho de 2014 a abril de 2015

NÃO PUBLICOU

Eduardo Leite (PSDB) 1º de janeiro de 2013 a 31 de dezembro de 2016

Fabricio Tavares (PTB, PSD e PP)

Advogado

abril de 2015 a abril de 2016

NÃO PUBLICOU

Paula Mascarenhas (PSDB) 1º de janeiro de 2017 a 31 de dezembro de 2020

Felipe Perez de Garcia Fernandez (PSD)

Empresário

abril de 2016 a outubro 2020

2016 e 2018

Paula Mascarenhas (PSDB)

Eduardo Daudt Schaefer (PPS)

Advogado

outubro de 2020

Prazo em andamento

 

Uma das questões que merecem respostas é como será reparado o dano a sociedade que teve seu direito a informação ambiental violado nesses anos todos?

E uma conclusão possível: o retrocesso ambiental provocado pelo grupo político que domina a SQA há 16 anos também foi feito pela sonegação da informação ambiental.


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