quarta-feira, 25 de agosto de 2021

ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (APP) URBANAS MAIS AMEAÇADAS

Rio Grande/RS. Foto CEA

A atual definição legal de Área de Preservação Permanente – APP estabelece ser uma “área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.”

As APPs, fundamentais para a qualidade ambiental e proteção social das cidades e seus habitantes, com suas diversas funções ecológicas e sociais, já estudadas e comprovadas cientificamente, vem sofrendo, há décadas, forte ataques, seja no plano formal (desregulamentação, flexibilização, desproteção...) e, sobretudo, na pratica, notadamente pela especulação imobiliária, com anuência do Poder Publico, notadamente pelos governos neoliberais.

Os ataques mais atuais são, no plano nacional, os PLs 2510/2019 e 1869/2021, entre mais 13 PLs que visam mudar as regras de proteção das APPs.

A proteção das APPs deveria ser ampliada, mas, ao contrário, no governo Bolsonaro, marcado pelo negacionismo, pelo ataque a Ciência e aos mais variados cuidados ambientais, o capital especulativo e o agronegócio encontraram condições, ainda mais favoráveis, para destruir a Politica Nacional de Meio Ambiente (PNMA), justamente nesse ano que sua lei completa 40 anos.

As APPS “melhoram o clima dos centros urbanos, pela diminuição da temperatura do ar e das superfícies e aumento da umidade atmosférica; colaboram na preservação da biodiversidade; auxiliam na proteção e manutenção da quantidade e qualidade dos recursos hídricos e melhoram muitos indicadores de saúde da população” e favorecem a mitigação dos efeitos desastrosos dos eventos extremos” (...) “e, portanto, salvam vidas” (https://www.oeco.org.br/analises/a-reducao-das-areas-protegidas-urbanas-e-uma-ameaca-as-nossas-cidades/?fbclid=IwAR3Rj2ZKR_Ny-TFNsFIcz1ofgn_CAEv--8zXlBuC9CnRqXxm_gf3tsjwPjg).

Proteger a vegetação das APPs é proteger a vida não humana e humana.

Essa importância das APPs é reconhecida pela legislação ambiental federal (como a Lei nº 12.651/12, chamada de Lei de Proteção da Vegetação Nativa ou Código Florestal), estadual (como o precarizado Código Estadual de Meio Ambiente – CEMA) e municipal (como os Planos Diretores).


Pelotas/RS. Foto CEA

O PL 2510/2019, que possivelmente entrará hoje em votação na Câmara Federal, cujo autor é o Dep. Rogério Peninha Mendonça (MDB-SC), assim como o PL 1869/2021, no Senado, de autoria do Sen. Jorginho Mello (PL-SC), atacam frontalmente as funções paisagísticas e, sobretudo, ecológicas e sociais das APPs nas cidades.

Contudo, o PL 2510/2019, visa transferir para os municípios o poder de definir e regulamentar a largura das faixas marginais de quaisquer cursos de água, mas sem impor padrões e/ou limites mínimos, como já aconteceu aqui, no Pampa, em Rio Grande e Pelotas, não sem grande conflitos por permitir degradação de ecossistemas, como os de dunas e banhados.

Já o PL 1869/2021, altera o marco temporal das APPs. Hoje, apenas as áreas ocupadas até 22 de julho de 2008 podem ser regularizadas. Após 2008, as regras de proteção das APPS devem ser observadas. Contudo, o PL em questão, altera tal marco temporal para data da eventual publicação da lei em discussão, anistiando mais 13 anos de ilegalidades e crimes ambientais decorrentes do descumprimento da Lei. É um premio ao poluidor, ao degradador, aos criminosos ambientais, assim como a PEC da grilagem. Se trata de uma verdadeira anistia aos infratores ambientais, indevidamente concedida pela lei de 2012. Indevida, porque essas áreas já eram protegias por lei desse a década de 1930, mas mesmo assim foram ocupadas, contrariando a lei. É uma espécie de grilagem urbana, com altos impactos ambientais e sociais, legalizada pela força do capital, traduzida nos votos dos parlamentares, assim como assistimos no parlamento gaúcho e nas Câmaras.

O PL ainda inverte o ônus da prova. Hoje, aquele q ocupa a APP deve justificar a ocupação como interesse público. Se o PL for aprovado, o Poder Público, ou seja o munícipio, quem deverá fazer, caso a caso, a comprovação de que determinada APP não deve ser destruída. Além disso, não impõe limite de tempo para a observância das regras, permitindo novos desmatamentos em APPs urbanas, observado apenas os limites a serem determinados pelos municípios, que pode ser nenhum.

Tudo isso, além de claramente inconstitucional, entre outros motivos, pela retirada da legal proteção das APPs e por promoverem ataques claros ao constitucional ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, leva a uma brutal insegurança jurídica, que chegarão possivelmente no Judiciário, como foi a que ocasionou a decisão de maio desse ano, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em ação que pretendia a não aplicação do Código Florestal em zona urbana. “Segundo o relator, ministro Benedito Gonçalves, a ‎definição‎ pela incidência do código ‎leva em consideração‎ ‎a‎ ‎melhor‎ ‎e‎ ‎mais‎ ‎eficaz‎ ‎proteção‎ ‎ao‎ ‎meio‎ ‎ambiente‎,‎ ‎como dispõe o‎ ‎artigo‎ ‎225‎ ‎da‎ ‎Constituição Federal,‎ observando o‎ ‎princípio‎ ‎do‎ ‎desenvolvimento‎ ‎sustentável‎ ‎(artigo‎ ‎170,‎ ‎VI)‎ ‎e‎ ‎as‎ ‎funções‎ ‎social‎ ‎e‎ ‎ecológica‎ ‎da‎ ‎propriedade. A tese fixada no julgamento foi a seguinte: "Na vigência do novo Código Florestal (‎Lei‎ ‎‎12.651/2012), a ‎extensão‎ ‎não‎ ‎edificável‎ ‎nas Áreas de Preservação Permanente ‎(APPs) de‎ ‎qualquer‎ ‎curso‎ ‎d'água,‎ ‎perene‎ ‎ou‎ ‎intermitente,‎ ‎em‎ ‎trechos‎ ‎caracterizados‎ ‎como‎ ‎área‎ ‎urbana‎ ‎consolidada,‎ ‎deve‎ ‎respeitar‎ ‎o‎ ‎que‎ ‎disciplinado‎ ‎pelo‎ seu ‎artigo‎ ‎4º,‎ ‎caput,‎ ‎inciso‎ ‎I,‎ ‎alíneas‎ ‎'a',‎ '‎b',‎ '‎c',‎ '‎d'‎ ‎e‎ '‎e',‎ ‎a‎ ‎fim‎ ‎de‎ ‎assegurar a ‎mais‎ ‎ampla‎ garantia ‎ambiental‎ ‎a‎ ‎esses‎ ‎espaços‎ ‎territoriais ‎especialmente‎ ‎protegidos e, por conseguinte, à coletividade".”

Diante de mais essas ameaças dos PLs, que configuram retrocesso ambiental, diversas instituições (como o CEA), militantes, especialistas, cientistas elaboraram uma Nota Técnica sobre o PL 2.510/2019 (Câmara dos Deputados) e PL 1.869/2021 (Senado), que tratam das Áreas de Preservação Permanente (APPs) em zonas urbanas.

Segue a NT na íntegra.

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